Quer mais leituras?
VoltarA poesia de fogo, de Carlos Gurjel, em única apresentação em Belém
Música, performance, sentimento e poesia vão se encontrar em um único espetáculo: Labaredesconderijo, do poeta do potiguar Carlos Gurjel. Neste trabalho, o artista traz, em um CD com seus poemas musicados, o resultado de um verbo que se prolonga como necessidade de não ter fim. Como se tudo na vida fosse uma poesia selvagem, contemporânea e sem rédeas. De passagem por Belém, sua única apresentação será no Espaço LAB PA, no Centro Histórico da capital paraense. A programação, que culminará com sarau coletivo, será nesta sexta-feira (7), às 21h. O ingresso custa R$ 10.
Parceria musical com a norte-americana Heather Dea Jennings, o disco “Labaredesconderijo” traz 20 poemas musicados, com textos exclusivos dos cantores, compositores e produtores Chico César e Alexandre Alves, do multiartista José Roberto Aguilar, do físico Joel Carvalho e dos poetas Carlos Emílio Correia de Lima e Nicolas Behr.
“Não sei como classificar minha poesia, mas ela expõe a ferida que vemos todos os dias, na solidão, na desconstrução do ser humano. Minha intensão, através dela, é espalhar essa condição humana”, diz Carlos Gurjel.
Após ler uma reportagem especial sobre Belém em uma revista, Carlos se viu atraído e veio até à capital paraense. “Para mim, estar aqui, é uma oportunidade muito boa, pois sei que aqui tem um movimento cultural intenso. Sexta-feira darei o meu recado, nesta cidade que pouco conheço, que estou pela primeira vez, mas percebo sua ancestralidade, o sangue do povo indígena e a receptividade de suas pessoas”, diz o poeta sobre sua passagem por Belém.
O projeto Labaredesconderijo é fruto de uma depressão que durou cerca de três anos. Nesse período, Carlos Gurjel se afastando do cotidiano, criando teias e uma enorme dificuldade de entender o mundo que o cercava, que ao seu redor se encontra. Foram noites e noites ao relento, procurando como um “outsider”, a embocadura do que ele pudesse extrai dela, o seu sustento de transpiração. Ficava como um desconhecido, a mirar o improvável recurso da razão, ar inundado de profundas inquietações e o fabrico de uma linguagem paralela e brutal.
Foi assim que solitariamente, tendo como luz de sombras, a noite como espelho e fogueira, que ele se vestiu de uma rara atmosfera e criou 50 poemas e a sua liberdade. Criação que invadiu e mergulhou em um outro ritmo, essa imensidão do que se vê e sente, da mais pura psicodelia e catarse. Antonin Artaud é laço permanente nessa embocadura, onde o artista viste máscara e camisa de força, durante sua performance, nessas noites de apresentação.
Formada pelo Barklee College of Music e pela Wesleyan University, ambos nos Estados Unidos, a professora de Música e Computação da Escola de Música da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN), Heather Dea Jennings lançou mão de vários métodos para sonorizar os poemas do disco. Além de valer-se de programas de computador e de sites para criar novas texturas sonoras, Jennings também utilizou sons ambientes.
A maioria foi gravada por ela em cidades que visitou ou morou na América, Europa e Ásia. Ademais, Jennings, que tem de formação erudita, também compôs músicas especialmente para o projeto. Ao mesmo tempo usou samples (trechos/recortes de música) de compositores, como Danúbio Gomes (Suíte), Pedro Mendes (Linda baby) e de domínio público, a exemplo de “Emoriô”, do grupo Pau e Lata.
Com a palavra o poeta:
Sou natalense nasci na beira mar, na urbana praia de Areia Preta. Desde pequeno escutava meu pai Deifilo Gurgel, reconhecido poeta e abnegado pesquisador de cultura popular, embalando nós na rede, declamando Drummond, João Cabral, Bandeira, Neruda. Agregado a isso tinha as confraternizações de fim de ano, lá em casa, onde os poetas e cronistas natalenses compareciam: Newton Navarro, Luís Carlos Guimarães, Berilo Wanderley, Miguel Cirilo, e tantos outros mais, pulsando sarau pela noite a dentro.
Daí em diante, com meus 11 anos, comecei a rascunhar, tempo do colégio onde tínhamos um grupo de rock, onde eu fazia as letras, que posteriormente eram musicadas.
Comecei então a participar dos benditos poetas marginais, essa poesia mimeógrafo, por onde os versos eram manufaturados ao redor da lua, noite de tantas presenças juvenis, como a sonhar com o mundo ao seus pés de tantos percursos.
Natal, já por 35 anos, promove todo dia 14 de março, uma intensa programação celebrando o dia nacional da poesia. Tempo de inúmeras caminhadas, pelo centro da cidade, onde poetas das mais variadas faces, compunham o vocal das ruas, repletas de simpatizantes e familiares.
Já pelo final dos anos 70, organizamos o Festival de Artes do Forte, primeira construção da cidade, por onde os holandeses, faziam sua cidadela. O Forte dos Reis Magos durante a extensa programação apresentada, em 72 horas ininterruptas; imã de uma mescla, a intercessão entre artistas locais e os artistas convidados de vários outros estados, protagonizaram uma moldura da mais explícita arte alternativa. Seguramente a realização do Festival do Forte, marcou a cidade, como o início de um novo tempo, enriquecendo significativamente a cena cultural da cidade.
Em paralelo, surgiu meus primeiros livros, uma poesia marcada pela presença da inquietação, rebeldia.
Três para mim são os mais significativos: Apaixonada Poesia Louca, Dramática Gramática e Mais que Amor. Neles, está presente a face de uma lâmina que fere, revelando a procura pela ferida exposta desse contemporâneo tempo. Como uma perseguição que busca a paisagem repleta de fome, conquistas, muita música e a verdade de uma face noturna, com suas travessias, ecos, pilhas de silêncios e a quase infinita vontade de falar.
Foi assim que lancei dois CDs com meus poemas autorais. O primeiro foi o Dramática Gramática, onde além do livro, fazia parte do projeto, CD, DVD, poster e uma camiseta. O segundo intitulado Labaredesconderijo, lançado em novembro de 2017, tendo como seu rosto, uma poesia suja, extremamente underground, de capilares pilastras por onde a palavra, minha voz é vestida pelas texturas sonoras, da minha grande parceira Heather Dea Jennings, que ao longo das faixas, constrói um tabuleiro vertiginoso de inúmeros takes dessa época vertiginosa e cruel.
Hoje, produzo curadorias de saraus, criando grupos de jovens poetas, onde durante três meses construo a sinergia do poema em voz, com suas infinitas possibilidades de reconhecimento.
O espetáculo “Labaredesconderijo” é uma produção de Urubu Pavão em parceria com o LAB PA, um espaço livre para a experimentação artística. A casa localizada no bairro da Campina, no Centro Histórico de Belém, está aberta para receber programações culturais, tais como shows, espetáculos teatrais, exposições, literatura, boas ideias e encontros, além de cursos e outros eventos.
Serviço:
Show “Labaredesconderijo”, de Carlos Gurjel (RN)
Nesta sexta-feira (7), às 21h, no Espaço LAB PA (Travessa Campos Sales, 705, entre General Gurjão e Carlos Gomes – Campina)
Ingressos: R$10
Informações: (91) 98426.6534